¬ Lição de economia nº11: Política monetária (Parte 1 - taxa selic)

1 - O FUNCIONAMENTO DA SELIC

Na lição nº8 identificamos os objetivos básicos da Política Fiscal: controlar o PIB (e o nível de emprego) e a inflação (IPC-A). Ela faz isso controlando o elemento mais importante do PIB, o consumo das famílias - apesar de, como vimos, não estar sendo utilizada para gerar caixa pro governo. Isso é possível porque manipula a massa salarial ao elevar ou reduzir os impostos e os gastos públicos, afetando diretamente o nosso consumo de bens e serviços (principalmente os preços livres). Ou seja, para frear nosso consumo pode literalmente meter a mão no nosso bolso esquerdo e se apropriar de parte do salário que lá está ao me cobrar mais impostos. Pode ainda reduzir o número de empregos, e com isso o consumo, ao reduzir os gastos públicos; ou seja, reduz a massa salarial, pois afeta a quantidade de pessoas empregadas.       

Mas, mesmo metendo a mão no meu bolso esquerdo ainda tenho reais no bolso direito. Peguei-os emprestados no banco. Isso significa que apesar de controlar o meu salário eu ainda tenho um dinheiro que foge, por enquanto, ao seu controle, pois posso buscá-lo nos bancos. Ou seja, nós compramos não só em função dos nossos salários, mas também do crédito fornecido pelos bancos. Isto é, mesmo com salários baixos, ou altos impostos, ainda podemos consumir usando o dinheiro do bolso direito, o crédito.     

Sabendo disso o governo adota uma outra política específica para retirar o dinheiro do bolso direito e reduzir nosso consumo, a Política Monetária. Os objetivos desta política são os mesmos da Política Fiscal, quais sejam, controlar PIB e inflação (IPC-A); mas esse controle se dá por meio do crédito e não dos impostos e gastos públicos. São, portanto, duas políticas (macroeconômicas) para controlar o consumo e o IPC-A, uma atuando sobre a renda individual e a total (massa salarial), e o outra controlando o crédito, na verdade, o preço dele (os juros).

Assim como a Política Fiscal tem suas ferramentas para controlar a renda e o consumo (impostos e gastos públicos), a Política Monetária tem os seus (taxa selic e compulsório). Trataremos aqui apenas da taxa selic por ser o instrumento mais utilizado, historicamente, pelo governo.

Taxa selic, em linhas gerais, é o juro que o governo paga ao pegar dinheiro emprestado com os bancos no Brasil (sejam eles estrangeiros ou não). Por esse motivo é também chamada de juro básico da economia. Mas por que o governo toma dinheiro emprestado? Investir? Não necessariamente. Seu objetivo principal ao pegar dinheiro nos bancos é fazer com que estes tenham menos recursos  disponíveis (crédito) para as pessoas físicas e empresas. O resultado dessa pouca disponibilidade de dinheiro é uma elevação no seu preço (juros) em função da maior competição que faremos por ele. Há, como vimos no assunto inflação, um choque na oferta no crédito, uma redução na sua disponibilidade e, como acontece com todo produto, uma consequente elevação no seu preço.  Podemos ver esse efeito em cascata na figura abaixo. O encarecimento no crédito, juro alto, inibe o consumo e desacelera a inflação - e aqui também vale o raciocínio feito em lições anteriores, se a causa da inflação for lucro (preços administrados) esse juro elevado ajuda a controlar os preços livres e compensar o efeito negativo sobre os preços gerado pelos monopólios. Portanto, como na Política Fiscal, temos aqui uma política monetária restritiva (ou contracionista), já que o efeito final sobre o PIB é o desaquecimento.
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Esse mecanismo, relativamente complexo, criado pelo Banco Central (BC) para afetar as taxas de juros que os bancos nos cobram, se dá pela impossibilidade de o governo controlá-las diretamente. Ou seja, não pode dizer o quanto o Bradesco, Itaú, Unibanco etc podem, ou devem, cobrar de juros. Seria como ir na feira e tabelar o preço das laranjas em todas as bancas. A história recente (agora nem tanto) da nossa economia, Plano Cruzado, mostrou que isso não funciona. A concorrência é que deve ditar o preço desse dinheiro vendido, emprestado, pelos bancos. Todavia, sabendo que não pode atuar diretamente sobre esse preço (juros) o governo faz um caminho tortuoso para conseguir o que quer, que é encarecer ou baratear o crédito. A selic serve justamente pra isso, mexer na disponibilidade de dinheiro dos bancos e com isso no preço que eles nos cobram.

Observem no gráfico abaixo o que dissemos acima. A taxa selic tem uma relação direta com o IPC-A. Dentro dessa lista que compõe o IPC-A é visível que a taxa de juros afeta mais os preços livres (alimentos, roupas, bens de consumo) do que os preços administrados (energia, telefonia, planos de saúde etc). Isto porque ao elevar, ou reduzir, o juro básico nosso crédito encarece ou fica barato o que nos impele a comprar mais ou menos produtos que dependam de crédito, exatamente os preços livres. Pagamos a conta de energia à vista, não dependemos do crédito dos bancos pra esse tipo de gasto. Além disso, por ser um bem essencial, mesmo que seu preço suba nós aceitamos pagar reduzindo o consumo, e os preços, de outros produtos, exatamente os que compõem os preços livres. Concluindo, os preços administrados oscilam mais porque sofrem menos influência da taxa selic.


Nesse 1º estágio a garantia que o governo dá por esses empréstimos são títulos públicos, uma espécie de cheque pré-datado que inclui o valor que pegou emprestado mais os juros no período (taxa selic). Assim, quanto mais alta a selic maior o interesse dos bancos e maior a emissão de títulos pelo governo. Mas o que acontece no 3º estágio? Por que dinheiro sobrando implica redução no juros. Guardadas as devidas proporções, um banco é como uma banca de laranjas na feira. Quando mais houver delas mais o feirante reduz o preço no fim do dia, do contrário elas podem estragar. Para não ter prejuízo, o preço precisa cair e agradar o cliente. No caso dos bancos funciona o mesmo principio, se o banqueiro tiver dinheiro sobrando precisa baixar o seu preço para desovar essa mercadoria, e o preço dessa mercadoria chamada dinheiro é denominado juro. A necessidade de vendê-la o quanto antes não se dá pela deterioração física, como no caso das laranjas, mas pelo fato de que dinheiro guardado estraga, desvaloriza, em função da inflação.

O lado perverso dessa política monetária restritiva é que por mais que ela consiga amenizar a inflação acaba deixando pra trás um outro efeito nocivo. Além da desaceleração no PIB e emprego provoca uma elevação na dívida pública interna. Ou seja, quanto mais o governo se endivida com os bancos a juros altos (selic) mais ele deverá nos meses seguintes, elevando sua dívida. O  resultado disso já vimos na política fiscal, déficit operacional e necessidade de superávit primário para cobri-lo. A política monetária está conectada na política fiscal exatamente nesse ponto.

De modo similar, se o governo quisesse aquecer a economia reduzindo a taxa selic teríamos uma situação de menor atratividade por empréstimos ao governo. Com isso, mais recursos seriam disponibilizados para as famílias a preços (juros) mais baixos. Com acesso a crédito mais barato o consumo cresceria e com isso o PIB. Isso caracteriza uma política monetária expansiva (ou expansionista) - lembrando que se esse efeito sobre a queda nos juros que pagamos for exagerado, ou seja, uma queda forte na taxa selic, poderíamos ter, além do efeito sobre o PIB, um efeito negativo sobre o IPC-A. Poderia surgir a inflação de consumo.
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Cabe aqui uma última observação. Há determinadas situações onde a política monetária expansiva não surte efeito, principalmente nos momentos de crise. Ou seja, não adianta injetar dinheiro na economia pois ele não se reverte em compras e não ajuda o PIB. Para os que se interessarem pelo assunto ver o texto do tópico 'lições de economia', "Mr. Bush, Mr Keynes e a taxa de juros".

2 - MAS, POR QUE PAGAMOS JUROS TÃO ALTOS?

Nossa relação com a taxa selic não é apenas circunstancial, não estamos falando de um mundo diferente do nosso. Já sabemos que o governo mantém os juros elevados para evitar que o dinheiro chegue até o nosso bolso a juros baixos, pois isso pode implicar um consumo excessivo e gerar aquele problema que tratamos lá na primeira lição, crescimento econômico com inflação de consumo.

Assim a relação dessa tal de taxa de juros básico da economia (selic) nos afeta diretamente, enquanto pessoas físicas (consumidores) ou empresários, pois quanto maior ela for mais caro pagaremos pelos nossos empréstimos.

Mas se paramos pra nos perguntar quanto os bancos cobram do governo e quanto eles cobram da gente a diferença pode assustar. Por exemplo, a selic hoje está em torno de 10%, ou seja, o governo paga 10% ao ano para os bancos que o emprestam dinheiro. Essas mesmas notinhas de reais poderiam ser emprestadas pra pessoas físicas ou jurídicas na outra ponta. E nessa ponta temos, por exemplo, o cheque especial ou cartão de crédito, com um juro médio mensal de 10%, o que no fim do ano dá, em juro composto, 214%. O que explica essa diferença absurda? Emprestam para o governo e cobram 12%, no nosso caso cobram 214%?

A principal diferença, por enquanto, é o risco de calote. Emprestar para o governo tem risco zero, ele sempre honra suas dívidas pois sabe que se der calote nos bancos a economia entra em colapso. Agora imaginemos o caso de um sujeito que entra no cheque especial. Ele simplesmente usa o dinheiro do banco, sem garantia alguma de que o devolverá. O banco acaba fazendo um contrato de risco, até porque se uma pessoa usa o cheque especial é porque já está com a corda no pescoço, ou seja, a chance de devolver o dinheiro acaba sendo pequena. Por isso os juros altos, quanto maior o risco mais caro o preço do dinheiro.

Ainda assim não há justificativa alguma pra essa diferença tão grande. Se nos cobrassem 2 ou 3 vezes mais do que cobram do governo talvez fizesse mais sentido, mas 18 vezes é exagero. Então, há algo mais por trás disso que unicamente o risco. É o que se chama no mercado de spread bancário (na lição nº13 detalharemos bem isso). 

O que podemos concluir no momento é que o nível de risco efetivamente afeta o juro final que pagamos. Ao contrário do risco embutido nas operações com cartão de crédito ou cheque especial, que se dão sem avalistas ou garantias, temos outros casos onde o risco é bem menor. Por exemplo, empréstimos consignados, onde o desconto das parcelas é feito na folha de pagamento. Nele, antes de receber o salário o sujeito já terá descontado em folha o quinhão do banco. O único risco para o banco é de o seu cliente perder o emprego. Nesse caso os juros são bem mais baixos que aqueles do cheque especial, algo em torno de 2% ao mês, e não 10%. Outras operações que tenham alguma garantia, de imóveis, terrenos etc também podem ter os juros mais baixos.

Se o tomador for um aposentado, que recebe diretamente sua aposentadoria do governo, o qual nunca deixa de pagar, o juro cobrado pode ser mais baixo ainda, já que nesse caso o aposentado não será jamais demitido.

3 - AS LIMITAÇÕES DA TAXA SELIC

Muitas das vezes percebe-se no mercado que as elevações na taxa selic são pouco eficientes para desacelerar a inflação. Temos algumas explicações pra isso:

- muitos dos bens consumidos (supermercado, energia, telefonia, água, táxi, planos de saúde etc) são pagos em dinheiro, não podem ser pagos via crédito. Neste caso os juros tem muito pouco impacto nos seus preços.

- lembremos que boa parte dos preços citados anteriormente pertence ao grupo de preços administrados (25 a 30% dos preços), que tem pouca influência dos juros

- o maior endividamento das famílias não ocorre tanto pelo tamanho dos juros pagos, mas pelo fato de as prestações caberem ou não no orçamento, ou seja, é mais uma questão de quantidade de parcelas do que de juros. Dessa forma, não adianta elevar muito a taxa selic se os prazos ainda continuam a ser do tipo 'a perder de vista'.

Resumo da ópera: mesmo não afetando muito o consumo, e com isso a desaceleração nos preços, o incremento na dívida pública interna é considerável.


ATENÇÃO:

  • Títulos públicos - garantia dada como resultado da troca, compra, de dinheiro por parte do Banco Central (banco do governo).

  • Precatórios - são uma espécie de título público mas não surgem da política monetária. Surgem de uma dívida precatória. Ou seja, o estado, união ou município se condenados na justiça a pagar fornecedores, funcionários etc, são autorizados, pela própria justiça, caso não tenham dinheiro em caixa, a vender títulos precatórios. Ou seja, podem pegar dinheiro emprestado com alguém, pessoas, empresas etc, e dar um título como garantia, título precatório. Fica obrigado a pagar (resgatar) esse título com o respectivo juro em um prazo determinado. Portanto, não são títulos emitidos com o objetivo de tirar dinheiro dos bancos, elevar os juros e reduzir o consumo. São decisões judiciais que obrigam o agente público a pagar uma dívida. Como não tem dinheiro são autorizados a tais "cheques pré-datados".


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